sábado, 3 de agosto de 2013

Traços do percurso de Nfuka, e o anúncio do seu linchamento político (parte I) - Adão Ramos



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Fonte: http://centralangola7311.net

Ponto prévio: não sou, nunca fui e não espero vir a ser da UNITA. Entretanto o que acontece ao Nfuka e à outros angolanos, enquanto concidadãos, dizem-nos respeito a todos, daí muito boa gente crítica ao poder vierem à terreiro em defesa de Garcia Miala e mais recentemente Quim Ribeiro, quando entenderam estarem a ser injustiçados. 

Nos idos anos de 2002/3, se a memória não me atraiçoa, altura que o conheci, certamente, salvo quem tivesse tido contacto com suas ideias, quase ninguém dava por ele, tal era o aspecto franzino, modesto denunciando sua condição social humilde. Na altura morador do Palanca e estudante do conhecido “PUNIV CENTRAL”, Nfuka Fuaka Muzemba e um conjunto de outros jovens já faziam importantes reflexões sobre a Angola de então, a guerra que, já terminada, tinha deixado feridas profundas que careciam de cicatrização, da necessidade de acordos de paz que vingassem, a construção de um Estado bom para se ser jovem.

Eram ávidos e assíduos ouvintes dos noticiários e acesos debates emitidos pela Rádio Ecclesia e Voz da América, frequentadores das Conferências que eram organizadas Por Organizações da Sociedade Civil e tinham contactos estreitos com políticos e activistas cívicos que se destacavam pela exposição de suas ideias e a maneira como se batiam pelas mudanças que se impunham, ainda eram ávidos leitores dos jornais privados e alguns livros que tomavam emprestados.

Foi naquele ambiente que se idealizou o MOVIMENTO DE ESTUDANTES ANGOLANOS – MEA, como um meio de luta pelos direitos dos estudantes e não só. Nfuka já tinha ideias bem avançadas e concretas sobre os combates e as consequências inerentes a tal “atrevimento”. Sinceramente, não sei por onde andavam nem o que faziam os seus actuais detractores da JURA.

O MEA teve como grande marca, a exigência ao governo, da instituição do passe social para os estudantes, que permitiria a esta franja da sociedade viajar sem custos, ou com custos subvencionados, nos autocarros de transportes públicos (caso a proposta fosse implementada); facto que viria servir de mote para o surgimento das primeiras manifestações organizadas por estudantes não universitários, de que tenho memória. Nfuka, o principal ideólogo da organização e pares, andavam de escola em escola, na periferia de Luanda, a fim de darem a conhecer o MEA e mobilizar jovens para a causa. Na periferia, não raramente, contactavam amigos, amigos e conhecidos dos amigos, apesar dos riscos inerentes, a julgar pelo ambiente político de então.

Eram dos momentos, que reputo de mais difíceis e arriscados, desde que acompanho o país social e político, só comparável, talvez, ao contexto em que surgiu o movimento 7311. Daí os jovens do MEA terem apanhado bastantes porretes, experimentado cadeias e outras sevícias, por parte das autoridades policiais angolanas.

O jovem do momento, destacou-se igualmente na Universidade Agostinho Neto, como estudante que protagonizava acesos debates dentro e fora das aulas, candidato ao cargo de Presidente da Associação dos Estudantes da Faculdade de Direito, e teve participação activa como membro da Associação da Universidade Agostinho Neto, a primeira e única a organizar uma grande manifestação verdadeiramente de estudantes universitários.

A trajectória, resumida neste texto, do Nfuka valeu-lhe convites para ir à Conferências internacionais na Europa e em África, isto nos anos 2003 ao 2005/6. Portanto, produto de lutas cívicas e estudantis granjeou protagonismo, espaço e muita estima no seio de instituições internacionais, da juventude angolana e não só.

De lá para cá Nfuka Muzemba nunca mais se inibiu de fazer a luta que acredita ser por um Estado Democrático e de Direito.

Naquelas circunstâncias socialmente difíceis, pois as condições eram mesmo precárias, já se falavam em aliciamentos, compras e vendas de consciências, talvez mais do que acontece hoje. Viu-se muitos mudarem da água para o vinho estranhamente, dizia-se terem sucumbido ao tilintar do “vil metal”. Facto ou não, é óbvio que não posso provar. Sei apenas que o Nfuka não sucumbiu, apesar das pressões – até mesmo por parte de professores na universidade, que chegaram a fazer desaparecer suas notas, etc. – pelo contrário, foi sendo cada vez mais interventivo, tendo mesmo feito pronunciamentos e protagonizado factos que incomodaram certos sectores do partido no poder em Angola.

  1. 1.    A entrada na política
Desejo de conferir outra dimensão à sua luta e convicto que pela via da real politik, daria um contributo maior para “aprofundamento da democracia” e realização social dos angolanos e de Angola, cedeu aos assédios do partido UNITA, pois acreditava ser esta a única força capaz de provocar mudanças no país.

Como é evidente a UNITA não o recrutou pelos seus lindos olhos, mas sim por todo seu capital simbólico acumulado, conquistado à custa de muitos combates e de não pouca pancada. Importa referir que o Nfuka fez tal opção contra a de todos os outros amigos; num conjunto de mais de dez amigos, foi o único a fazê-lo, e passou a levar o Galo Negro ao peito com tudo e contra toda a adversidade. Vimo-lo envolvido até ao pescoço na campanha eleitoral 2008, mesmo sabendo que só um milagre o colocaria no parlamento, tal era a distância em que se encontrava na lista de deputados, não se coibiu de usar até mesmo a sua viatura e outros meios pessoais, a fim de chegar aos bairros de Luanda à “caça” de votos.

Em 2010 foi eleito Secretário-geral do braço juvenil do Galo Negro, em Congresso. Também não foi por acaso que tal feito se concretizou. Foi também porque não havia ninguém na JURA capaz de dar sequência ao que Adalberto Catchiungo, Albano Pedro e outros tinham começado. A eleição de um jovem mukongo foi importante igualmente para se desconstruir a ideia da UNITA tribalista, funcionou como um inusitado piscar de olhos à juventude interventiva, serviu para a consolidação da edificação de uma organização modernizada e inclusiva, ou pelo menos vender esta imagem. A trajectória do novo SG claramente “arrastou” muita juventude para a JURA em particular e a UNITA em geral, que passaram a ter uma melhor imagem externa e a incomodar mais ao adversário mor. Por essas e outras a eleição de Nfuka Fuakaka Muzemba à deputado foi por mérito próprio.

Aqui chegado, foi com tremenda estranheza, que tomamos conhecimento da irregular/anormal suspensão a mando do SG da UNITA, Sr.º Vitorino Nhany (embora este e depois o Presidente do partido tivessem desmentido).

Segundo o Comunicado Final do Comité Permanente da UNITA, de 26.07 último, a Comissão de Inquérito constituída para averiguar as acusações de que é alvo o SG da JURA, obtiveram provas que configuram factos puníveis pela Lei Penal da República de Angola. Nfuka Muzemba é acusado de utilização abusiva e fraudulenta do timbre e carimbo de um órgão da UNITA junto da Embaixada de Portugal em Angola para obtenção de vistos de entrada naquele país do velho continente, para cidadãos estranhos à UNITA, em troca de dinheiros, ter compromissos inconfessos com o empresário Bento Kangamba dos Santos e seu elenco, nomeadamente o director de gabinete deste e o senhor Gabriel Veloso, assessor de imprensa do empresário. Suborno, falsas declarações, abuso de poder e corrupção activa e passiva.

Aquí é que “a porca torce o rabo”! Pois senão vejamos: pelo percurso, resumido é claro, que traçamos deste jovem, não seria muito mais fácil ter cedido às eventuais pressões para “conversão” ou “heresia” (?), quando mesmo já sendo SG da JURA, não tinha uma salinha sequer, orçamento nem subsídio para fazer o seu trabalho? E mais, nesta altura, de 2010 à meados de 2012, o também membro do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA andava a contar os passos (à pé), ainda assim sofreu calado, intransigente e sorridente, como se fosse o militante mais feliz do partido, quadro alterado apenas nas vésperas das últimas eleições, com a concessão de uma sede à JURA e uma viatura ao seu SG, podendo deste modo trabalhar com certa dignidade. Com a eleição à deputado melhorou sobremaneira a sua condição social.

Aqui chegado, julgo não fazer muito sentido, alguém que “resistiu” nos piores momentos, só agora se tornará corrupto “activo e passivo”, vendedor de vistos e manterá relações com quem quer que seja para “inviabilizar actos” do seu próprio partido, que reconheça-se, levou-lhe ao status actual!
Por outro lado, o discurso tido como radical do Nfuka não mudou em momento nenhum.

Não tenho assistido aos debates parlamentares, mas chegaram-me informações segundo as quais no Parlamento o SG da JURA não é dos que “entra calado e sai mudo”, contrariamente à maioria dos seus colegas de bancada, muitos dos quais “dormem onde deviam estar acordados e acordam onde deviam dormir”; e fora da casa das leis o seu discurso tem sido o que temos ouvido, o que, também ouvimos, já mereceu chamadas de atenção internamente, no sentido de moderar.

Mais um dado: fonte partidária disse-nos, que depois das eleições até ao momento da sua suspensão, nunca mais recebeu orçamento partidário ou qualquer subsídio para a realização de actividades, tendo passado a custear algumas com dinheiro próprio. Porque será? Terá havido intenção da parte de alguém da Direcção do partido, em boicotar o seu mandato e causar-lhe a imagem de incompetente? A ser verdade, será inocente tal atitude?

O passado talvez traga outra luz sobre este momento menos bom do partido amado pelo nosso deputado Muzemba. Segundo fonte conhecedora dos meandros da JURA institucionalizada, o actual SG será a segunda “vítima” de semelhante tratamento. O 1º terá sido o Adalberto Catchiungo, por muitos considerado o fundador da JURA moderna, pois diz-se que terá sido no seu mandato que que o braço juvenil do Galo Negro evoluiu para uma instituição com estatutos, regulamentos, autonomia administrativa e outros condimentos.

As fontes que vimos citando, dizem que Catchiungo assemelha-se ao Nfuka, pela intrepidez e outras qualidades, e ainda pelo cometimento do que alguém apodou de “pecado capital”, ou seja, não terem “sabido escolher” o lugar de nascença e no caso do primeiro, também a tez da pele. Adalberto é do Huambo e não “black”, e Nfuka oriundo do Uíge (por sinal nasceu em Luanda e já não se lembrará da data que cá chegou, pois cresceu e se fez homem na cidade capital).

Algumas pessoas lembrar-se-ão de terem ouvido o kota Jorge Valentim, nas vésperas de sua saída do “galinheiro” e posteriormente, suscitar o debate da existência de tribalismo e muito recentemente outros dissidentes confirmarem o “facto”, o que levará a não descartar a hipótese do SG da JURA estar a ser vítima desta suposta realidade. O que se disse e diz-se, é que na UNITA progride confortavelmente a “gente do Bié” e alguns do Huambo, contanto que pertençam a certa elite interna e não seja “clarinho”. Daí a queda de Catchiungo, segundo se diz.

Outrossim, Nfuka não é herdeiro da cultura UNITA, sendo que vem de outra escola política, o que leva a que tenha uma visão e formas de ser e estar na política que não lhe permitem subscrever determinados procedimentos, mas leva-lhe a entender que a militância não tem o direito de retirar-lhe a liberdade de pensar pela própria cabeça bem como agir como mandam os princípios da democracia e da ética política. Essa postura adicionada à sua têmpera reivindicativa, próprias de um “animal da sociedade civil”, que nunca deixou de ser, segundo vozes bem colocadas no “galinheiro”, não é bem vista “ladjum”, porquanto muitas vezes comporta-se como uma espécie de “não-alinhado”. E parece haver exemplos disso: Nfuka não terá subscrito nem dado “sangue” aos planos conspiratórios anti-Abel Chivukuvuku e por sinal não é dos que tem algo contra o Gen. Kamalata Numa, não tendo feito em ocasião alguma, em nome da JURA, qualquer moção de censura aos tais adversários do substituto do “mano mais velho”, valendo-lhe o rótulo de “contra o mano Samakuva” e a condição de “sapo entalado no pescoço” de certa elite “galinheira”.

A fazer-se fé no que se aventa estar na base de todo esse imbróglio, o anunciado linchamento político de Nfuka era só uma questão de tempo, e não haveria um momento melhor que o aproximar do ano das eleições na JURA, 2014, e faltarem ainda alguns anos para a realização das próximas eleições, autárquicas ou gerais, no país, pois até lá qualquer estrago terá sido concertado.

Curiosamente, até onde me lembro, o MPLA que é criticado por tudo que é imaginável e mais outras, desde que me conheço, não tem trado desse modo aos seus membros no activo ou não, que eventualmente tenham-se incompatibilizado com o seu Presidente/Direcção do partido; por exemplo, ainda não vimos ser “desenterrado” eventuais deslizes do Marcolino Moco (pode não tê-los), ou “criado” trapaças, para lhe incriminarem, apesar de se tornar um crítico do regime liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Há outros exemplos. Então, fará sentido a pergunta de alguns concidadãos: “Quem é pior ou melhor que quem”? Ou a comparação, entre a UNITA e o MPLA, feita por Makuta Nkondo, segundo a qual “a UNITA e o MPLA são iguais”!

Estas reflexões que entendemos introduzir conduzem-nos à outras não menos importantes. Para já permito-me augurar que Nfuka Muzemba não será expulso das hostes “galinheiras”, embora pense que poderá ter o nome na lista negra.

Diante destes acontecimentos e eventualmente futuros outro, como deverá reagir a nossa geração? Que tratamentos merecem formações partidárias alegadamente aspirantes ao poder, em cuja vida interna desconfia-se fazer-se a apologia do que criticam no adversário, ou quiçá pior? Antes, como enquadrar o caso Nfuka? Há realmente a intenção de um linchamento político? Quem estará interessado nisso?

Na Parte II deste “Traços do percurso de Nfuka, e o anúncio do seu linchamento político” traremos mais elementos de análise.

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Adão Ramos, o autor do texto
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