terça-feira, 23 de dezembro de 2014

“Demolir sim, mas com respeito pela vida”


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Fonte: Rede Angola - 22.12.2014 • 08h56
Rafael Morais, O coordenador da SOS Habitat fala das acusações que a ONG foi alvo e as questões das demolições em Angola.
Rafael Morais é o coordenador da SOS Habitat, uma organização não-governamental que tem como foco a defesa dos direitos da habitação e a luta contra as ondas de demolições. Com mais de dez anos de experiência na defesa dos “sem tecto”, a organização revela-se cada vez mais inconformada com o tratamento dado às pessoas vítimas de desalojamentos forçados, e a forma como as administrações do Estado gerem o assunto. Muito recentemente a ONG realizou o Fórum Nacional da Habitação, que já vai na sua segunda edição, onde uma vez mais foram discutidos os problemas que o sector da habitação enfrenta. No entender do seu coordenador, em entrevista ao Rede Angola, a questão das demolições não se vai resolver com ameaças e intimidações como tem sido prática. A solução passa por negociações pacíficas entre as partes em conflito e encontrar caminhos que, sobre qualquer interesse, preservem a vida por representar o mais nobre dos direitos.

Ainda de acordo com o activista social, o Governo, como entidade que gere a situação da terra, deve criar condições para que o acesso a esse bem seja pacífico e igualitário para todos os cidadãos sem discriminação do seu estatuto social ou cor partidária.

“Não precisamos sujar a imagem de ninguém para desenvolver o nosso trabalho”



Muito recentemente, o ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Carlos Feijó, e o ministro da Administração do Território Bornito de Sousa, acusaram a SOS Habitat de desempenhar um papel negativo no processo de habitação e da ocupação ilegal de terrenos no país. Isso é verdade?


As acusações feitas por estas figuras e outras que se insurgem contra o trabalho da SOS Habitat não são verdadeiras. As nossas denúncias são feitas com base naquilo que nós constatamos no terreno. As pessoas, quando nos procuram, já chegam com os seus direitos violados e nós, simplesmente, procuramos analisar o assunto e levar para as mais altas estruturas do Estado. As autoridades deviam aproveitar estas denúncias para apurarem a veracidade dos factos que relatamos, mas infelizmente isso não acontece. E quando nos acusam dessa forma, não temos uma outra forma de interpretação que não seja calúnia e muita má-fé da parte dessas duas figuras do governo.

O que esteve na base dessas acusações?


Não soubemos. As nossas denúncias são feitas a nível nacional e internacional. E nunca fomos chamados a nenhum tribunal para depor. Portanto, eu acho que é uma maneira de descredibilizar o nosso trabalho enquanto sociedade civil. Por outro lado, com essas declarações, as autoridades querem legitimar, para os próximos meses, acções de demolições e expropriações de terra em alguns bairros. E querem abafar o trabalho da SOS para que todo o processo que eles estão a montar não saia em nada.

Mas vocês têm inserido as autoridades no trabalho que vão realizando dentro das comunidades?


Sempre nos mostramos abertos para trabalhar em parceria com os governos locais e central. Mas estes têm vindo a  mostrar-se desinteressados. Temos feitos constantes apelos às autoridades para visitarem as comunidades afectadas pelas demolições para verem o quanto é pesado trabalhar com centenas de famílias ao abandono, mas nunca nos deram ouvidos. Portanto, não temos nada a esconder porque fizemos um trabalho de cidadania. E, muito brevemente, faremos um comunicado em torno de todos esses assuntos, porque agora há uma onda de acusações contra a nossa organização. Mas se estão a pensar em nos parar, é melhor desistir, vamos continuar a desenvolver as nossas actividades.

O ministro Bornito de Sousa disse também que a SOS Habitat tem promovido encontros internacionais com o propósito de denegrir a imagem do Estado. É verdade?


Não. Aliás, não precisamos sujar a imagem de ninguém para desenvolver o nosso trabalho. Quanto aos encontros que temos feito com as organizações internacionais, acontecem porque muitas delas, tal como a União Europeia, têm responsabilidade para com os países africanos na área dos Direitos Humanos. A agora, se eles também ficam omissos nestas questões devido aos interesses económicos, então ai já não é nosso problema.

Mas essas organizações não têm dado a devida atenção nestas questões?


Infelizmente não prestam o devido tratamento. Portanto, sabe-se que os interesses económicos chegam a falar mais alto, em muitos casos, que qualquer outro direito. E estamos num país muito cobiçado por causa do petróleo,  muitas destas organizações preferem ocultar a realidade das violações que se vão registando na areia dos direitos humanos.

Que balanço faz do segundo Fórum Nacional da Habitação?


Estamos, neste momento, a elaborar o relatório final do Fórum, mas de qualquer forma podemos adiantar que o balanço é bastante positivo porque uma vez mais reflectimos em torno da questão da habitação e o acesso à terra, que acabam por ser dos assuntos mais problemáticos e complexos do país. Pudemos contar com a participação de vários ministérios que estiveram presentes através dos seus representantes e que ouviram aquilo que são as nossas preocupações enquanto sociedade civil e enquanto representante de inúmeras comunidades desalojadas espalhadas pelo país.


Quais foram as recomendações deixadas?


Foram várias, uma das quais, a discussão do impacto negativo que as demolições têm causado no seio de muitas famílias que acabam por ficar sem abrigo e expostas ao relento por falta de clareza e justiça nos actos demolidores. Chamamos a atenção do Governo, é preciso reflectir em conjunto sobre isso com maior responsabilidade porque são crianças, mulheres grávidas e idosos que, do dia para noite, são atirados para a condição de desalojados. Há muitas crianças que acabam por perder o ano lectivo porque as suas famílias perderam a casa. São cenários muito tristes e que deveriam merecer a reflexão de todos.


A SOS Habitat é contra as demolições?


É claro que não. Nas nossas intervenções temos deixado bem claro que não. Até porque o país está a expandir-se e é necessário a reforma e o ajuste de algumas áreas. O  defendemos são as demolições pacíficas e justas, onde o Governo tem a obrigação de respeitar o mais básico dos direitos: a vida. Se o Estado quiser partir uma determinada área, que seja bem-vindo, mas deve fazê-lo com a criação de alternativas condignas para que o cidadão não saia a perder. É isso que temos solicitados.

E não é isso que tem acontecido?


Infelizmente não. As demolições no país têm acontecido para servir certos interesses, deixando assim a maioria das pessoas na desgraça. O Governo, que deveria ter a responsabilidade de preservar e cuidar a vidas das pessoas, infelizmente é o grande promotor das demolições forçadas, arbitrárias e injustas.


O que o leva a pensar assim?


É a realidade prática do dia-a-dia. Vê quantas pessoas ficaram sem tecto porque o Governo simplesmente chegou, partiu e não deu nada. Ou então, qunado dá,  é em zonas distantes, desabitadas e sem nenhum serviço social. Portanto, não se cumpre nenhum processo de diálogo ou negociação com as populações. É tudo feito com uso da força e arrogância.

Falta alguma noção do problema por parte do Governo?


Não acredito que o Governo não tenha noção dos males que essas demolições arbitrárias têm causado a muitas famílias. O problema é que eles, os governantes, ignoram, porque não valorizam a voz do cidadão e o valor vida.

Mas também há muito oportunismo de certos cidadãos?


Reconhecemos que tem havido, sim, muitos oportunistas. Há pessoas que ocupam ilegalmente as tais reservas fundiárias do Estado para posteriormente lhes ser dada uma casa ou terreno. Essa situação só ocorre porque há muita desorganização durante os processos de demolições. Há muitos intrusos que deveria ser apanhados se o Governo tivesse uma base de dados a funcionar bem. Por outro lado, é preciso ter em conta que durante o conflito armado muita gente saiu do interior do país para Luanda à procura de melhores condições de vida. E quando cá não foram recebidos da melhor forma, muitos até foram discriminados. Entretanto, estas pessoas foram obrigadas a se alojarem durante muitos anos em terrenos considerados reservas do Estado. Actualmente, com o fim da guerra, se o próprio Estado sentir a necessidade de desalojar essas pessoas, deve fazê-lo de forma justa e recompensa-las com outro espaço onde elas possam continuar as suas vidas. Até porque são cidadãos nacionais e merecem o devido respeito, maioria veio para Luanda fugindo da guerra. Se não houvesse esse mal, que devastou centenas de famílias, essas pessoas ficariam nas suas terras. É apenas uma questão de justiça e de defesa da vida.

Mas vocês têm levado essas preocupações às entidades governativas ou ficam apenas pelos fóruns?


O nosso trabalho é diário. Todos os dias recebemos comunidades que procuram pelos nossos serviços e nós levamos as preocupações junto das instâncias superiores de várias formas, como relatórios e encontros com os governantes. Não estamos aqui para facilitar uns em detrimento dos outros. Somos a favor da justiça e trabalhamos como mediadores entre a comunidade e o governo.


E sente que são ouvidos por quem de direito?


Nos ouvem sim, mas ao mesmo tempo ignoram-nos. Ou seja, a gente fala, aponta soluções, mas o Governo continua a fazer as mesmas coisas. Muitas vezes somos até conotados politicamente, dizem que não gostamos do MPLA porque denunciamos factos e frontalizamos as instituições. Mas não é isso, não estamos contra o MPLA ou qualquer outro partido. Estamos sim é contra as acções que violam os direitos das pessoas. E a habitação é uma coisa básica que qualquer governo deve dar ou facilitar à população. Seja lá qual for o partido que um dia vier a governar Angola, se estiver a desrespeitar os cidadãos, a SOS Habitat estará aqui para criticar e apontar caminhos da cidadania e da paz social.


As administrações municipais e comunais deveriam funcionar como pontos de entrada nesse processo de comunicação com as instituições, não?


Sim, deveriam, mas não é o que acontece. As próprias administrações também estão todas viciadas. Por exemplo, há cartas de comunidades injustiçadas que dirigimos às administrações, mas que, no entanto, não tiveram respostas. Não somos recebidos, nem ligam para nos informar do andamento do processo. A nível do Governo Provincial a situação é ainda muito mais difícil. Pior quando esteve lá o senhor Bento Bento que, para nós, foi dos piores governadores que Luanda já teve nesse processo de contacto e auscultação da sociedade civil. Em tempos, escrevemos para o vice-presidente do MPLA, Roberto de Almeida, depois de já termos esgotados o contacto com as instituições públicas, e mesmo assim não fomos recebidos, nem mesmo depois de termos adiantado o assunto – que era sobre uma determinada comunidade que estava a ser injustiçada. Portanto são sinais que indicam alguma ignorância sobre o nosso trabalho.


Essa falta de contacto de alguma forma asfixia o vosso trabalho?


Claro. Quando não há contacto entre as partes tudo fica mais complicado. Seria muito importante que as autoridades recebessem as pessoas desalojadas injustamente, ouvir o que elas têm a dizer. Muitas dessas pessoas são camponeses que já cultivavam há mais de trinta anos em zonas que hoje foram apropriadas pelo Estado, sem nenhuma recompensa. E quando exercemos o nosso papel de mediadores somos vistos como adversários e agitadores das comunidades.


Há então aqui alguma incompreensão do vosso trabalho, é isso?


O Estado não compreende o nosso trabalho porque não lhe interessa. Nós somos intermediários da paz e da justiça entre os cidadãos e o Governo. Criticamos quando está errado e apoiamos quando está correcto. Se nos chega a reclamação de alguma comunidade que foi demolida, averiguamos a situação e pedimos a responsabilização aos culpados. Acho que nenhum administrador ou governador gostaria de passar o que muitos cidadãos sem tecto passam. É uma questão de justiça. Todos merecemos ser tratados da melhor maneira. E o que acontece a nível das administrações é uma terrível falta de sensibilidade para com os cidadãos.



“Política habitacional é uma vergonha”


Qual é o vosso ponto de vista em relação a política habitacional do país?


É uma vergonha. Reconhecemos haver o surgimento de novas infraestruturas ligadas à habitação. Todos os dias nascem em Luanda condomínios, e centralidades em todo o país. Mas quem se beneficia dessas infraestruturas? São sempre as mesmas pessoas, porque o cidadão normal não tem condições para custear ou viver nestes projectos.

A construção destas centralidades poderá resolver a grande necessidade de habitação que o país enfrenta?


Penso que não, porque a forma como são geridas essas centralidades e o modelo de acesso deixam-nos muito inquietos. Há muitas inverdades e burocracias. A maioria dos angolanos não têm dinheiro para custear essas centralidades, se tivermos em conta aquilo que é o salário básico nacional. Também fala-se muito das casas evolutivas do Zango que não dispõem de qualidade condigna para o cidadão viver em paz. São apertadas e muito pequenas, para além de estarem localizadas em zonas sem nenhum serviço social, como  água, luz ou infraestruturas de cuidados médicos…


E qual seria a solução?


A par dos projectos imobiliários que já existem, uma das saídas devia ser a cedência de lotes às populações em zonas urbanizadas, onde as pessoas possam construir de forma orientada e dirigida, porque o Governo não vai construir casas para toda a gente. Mas se lotearem espaços e derem as condições que permitam ao cidadão uma vida normal, isso poderá minimizar os problemas de habitação que temos. Agora, quando não se atende com as preocupações do cidadão, isso cria alguma confusão. As pessoas ocupam espaços supostamente pertencentes ao Estado e esse por sua vez chega e parte. E andamos nessa luta constante entre Governo e governados.


Quantas comunidades estão sem tecto em todo o país?


Actualmente controlamos mais de 56 comunidades a nível nacional, cada comunidade tem um número superior de 700 moradores. E o número vai aumentado, porque cada vez mais centenas de pessoas são desabrigadas a custo de certos interesses.

Qual é a vossa forma prática de trabalho com estas comunidades?


As comunidades solicitaam a nossa ajuda e, em primeira instância, avançamos com uma reunião com a liderança da zona ou do bairro onde a comunidade lesada pertence para identificarmos o problema. Depois de identificado o problema, procuramos saber junto da administração local os motivos, se houve notificação prévia e se houve alternativas para acudir as populações desalojadas. E se não houver uma resposta prática nesse nível, aconselhamos as populações a avançarem para a resistência pacífica. É dizer ás pessoas para continuarem a viver ali enquanto não lhes for dada uma alternativa viável..


E essa medida tem resultado?


Em muitos casos sim, porque são interesses privados ligados ao partido no poder que tentam submeter as suas forças e vontades em detrimento das comunidades humildes. Por exemplo, o bairro onde temos a nossa sede, Calemba-II, é fruto de uma resistência pacífica, assim como outros bairros como a Maria Eugénia Neto, Talatona, na zona das Gaiolas, entre outros bairros. Portanto, quando o Governo não nos ouve e vimos que as populações estão ser injustiçadas, a única medida que usamos é incentivar as pessoas à resistência pacífica, sem violência. No nosso entender, as comunidades devem ser informadas quando se trata de um processo demolidor. Não se pode chegar aos pontapés e retirar as pessoas forçosamente das suas áreas de residência. É crime. Demolir sim, mas com respeito a vida.

Há também muitas pessoas que ocupam terrenos em nome do Estado. Como é que vocês trabalham neste tipo de casos?


Há certas pessoas que são afiliadas ao partido no poder e aproveitam-se da sua condição financeira para desapropriarem comunidades em áreas que lhes interessa. E a nossa filosofia é a mesma; as pessoas que vivem nestas áreas não podem aceitar serem desapropriadas injustamente. Deve haver antes alguma negociação e explicações claras sobre o que será feito do referido espaço. Não deve haver segredos, porque os projectos públicos devem ser transparentes e com base na valorização da vida.

Como ficou o caso das populações da Areia Branca, receberam casas?


Ficou como milhares de casos em que o Estado usa a arrogância para atirar centenas de famílias ao relento. Sentem que são intocáveis e podem fazer o que lhes apetece. Especificamente a Areia Branca, na Kinanga, a zona foi demolida em 2013 e até agora as pessoas estão numa condição cada vez pior. Depois de partirem as suas casas, as pessoas não saíram, continuam lá ao lado da praia e no meio de duas valas de drenagem. São mais de 717 famílias que estão a viver ao relento, sem nenhuma proteção. Todos os meses ali morrem pessoas devido às condições péssimas em que foram submetidas. Em tempos, obrigamos a Comissão Administrativa de Luanda a enterrar um ex-morador que não aguentou e acabou por morrer de tanto sofrimento. É que a maior parte das pessoas que viviam ali era pescadores e hoje estão ao relento sem casa e sem meios de trabalhos.

O mesmo destino tiveram os moradores do Kambamba-II?


A lista de comunidades demolidas é enorme. Se for a contar bairro por bairro não saímos daqui tão cedo. Relativamente às populações do Kambamba-II, só foram realojadas na semana passada, depois de dez anos de sofrimento. E mesmo assim, as casas que lhes deram no Zango não têm nenhuma qualidade e diariamente recebemos telefonemas de moradores a queixarem-se das más condições. São as tais casas evolutivas, cujas dimensões são muito pequenas. Para uma família alargada, e que anteriormente tinha a sua casa em condições, isso frustra. Outro caso é o das populações da Chicala, que foram transferidos para a Kissama, mas uma boa parte destas pessoas regressaram e foram alugar casas noutros bairros de Luanda, porque onde foram postos não dispõem de quase nada.  Houve desestruturação das famílias porque alguns maridos, em função da distância e da falta de condições, abandonaram lá as suas esposas e emigram para outros pontos à procura de melhores condições. As antigas famílias que viviam nos espaços onde foram construídos as centralidades do Zango, Kilamba e Cacuaco muitas delas ainda não foram indemnizadas. Alguns acabaram por morrer e outras andam à espera da recompensam que nunca chega. São situações muito tristes e que envergonham o Estado de Direito que a constituição diz que somos.


Este conjunto de situações acaba por manchar o país no que toca aos direitos humanos…


Sim, claro. É só olhar para os inúmeros relatórios internacionais que têm saído e que colocam Angola numa posição deplorável em relação aos outros países. Acompanhamos há bem pouco tempo as declarações do ministro da Justiça, em Genebra, a dizer que a situações dos direitos humanos em Angola é estável. Foi uma pura mentira. O senhor ministro mentiu à comunidade internacional e isso não se faz porque todos sabemos a quantas andamos no que toca à situação dos direitos humanos no país. Como é possível um Estado dizer que respeita os direitos humanos, e deixa centenas de famílias sem-abrigo, na rua, quando temos centenas de apartamentos nas centralidades e condomínios às moscas? Isso faz-se? Estamos num Estado onde só há sistematicamente violações de direitos.


“O MPLA tem interferido muito nas actividades da sociedade civil”



Em Outubro de 2013 foram impedidos de realizarem uma manifestação pacífica que visava saudar o dia mundial da habitação. O que se passou ?


O que se passou foi uma vez mais a violação do direito das pessoas em se manifestarem, um direito que até está plasmado na constituição do país. Para a referida manifestação havíamos convidado comunidades desalojadas e o percurso solicitado era do supermercado Jumbo até ao 1º de Maio. Mas Bento Bento, na altura governador de Luanda, disse que o trajecto estaria ocupado por uma passeata de motociclistas que não veio a realiza-se…era só uma desculpa para nos barrar.

Mas vocês cumpriram com todas a obrigações que este tipo de actividade necessita?


Naturalmente, até porque era uma marcha pacífica que visava saudar tão-somente o dia mundial da habitação. Mas mesmo assim não nos permitiram e houve uma desmobilização geral que até envolveu o Comité Central do MPLA. Na altura, acusaram-nos inclusive  de sermos uma organização ligada à UNITA, e que estávamos à procura de confusão. Tudo mentira, até porque só faziam parte do grupo a SOS Habitat, grupos de camponeses e comunidades vitimas de demolições. Quer dizer, o Governo faz e desfaz, e os cidadãos nada podem fazer?  Nem mesmo se manifestarem contra as acções negativas?

Houve uma resistência da vossa parte. Saíram à rua e foram detidos…


Não é bem resistência, porque a lei diz que o Governo não tem nada que impedir, tem sim é que criar condições de segurança das pessoas. Portanto fizeram-nos passar por desordeiros e alguns de nós acabaram detidos. Eu próprio fui parar à esquadra de Viana porque os agentes, na altura, disseram que o carro que eu conduzia fazia parte da lista de viaturas roubadas. Fiquei na esquadra a depor até ao fim da tarde. Era uma artimanha que usaram para me manterem retido.

Disse que o MPLA esteve envolvido nisso. De que forma, se até é um assunto que diz respeito ao governo e à sociedade?


Esta coisa de partido-Estado trouxe um vício na cabeça das pessoas que está a prejudicar o país. Hoje em dia, misturam os assuntos da administração pública com os do partido. Às tantas já não sabemos quando é que se está a tratar das coisas do país ou quando é que se está a tratar as coisas do partido. É tudo uma confusão e ingerências.

Este envolvimento do MPLA foi um caso isolado ou o partido tem interferido regularmente nas vossas actividades e projectos?


Há uma constante interferência do partido nas questões que deveriam ser tratadas junto das administrações do Estado, por isso é que às vezes temos dificuldades em levar a nossa mensagem às comunidades, porque somos sempre boicotados e confundidos com partidos políticos. Portanto, é muito mau essa postura, porque além de reivindicar, instruímos as comunidades em como elas devem agir para conseguirem um espaço ou uma habitação. Fazemos também esse serviço de comunicar formas de prevenção contra eventuais desalojamentos. Mas infelizmente o partido tem interferido porque pensa que somos opositores. Mas acho que isso passa mais pelo medo que o partido tem das mudanças.

E por que é que  o MPLA teria medo?


Se calhar porque somos frontais. Se o MPLA não tivesse medo não poderia estar a utilizar forças para perseguir a sociedade civil critica. Porque ao usar a força para nos combater, o próprio MPLA está a dar prova que a justiça no país não é credível. Se o Governo acha que estamos a cometer algum erro ao denunciar casos de violações de direitos humanos então que nos mande prender, leva-nos à justiça. Não é a espiar-nos com os seus serviços secretos. Mas é importante deixar bem claro que não temos medo de levarmos uma bala por defendermos o direito à habitação. Tanto mais que, como vê, trabalhamos num espaço livre, onde não há sequer um segurança a nos controlar. É a prova que estamos com a consciência tranquila a fazer um trabalho em prol da sociedade. É uma causa justa que deveria ser de maior proveito para o Governo que, ao invés de nos ameaçar, deveria trabalhar connosco.

Quando há algum caso de demolição não são chamados a trabalharem com o Governo?


Infelizmente não. Deixam-nos atrás porque dizem que nós somos agitadores. Se o Governo nos chamasse, enquanto sociedade civil, sempre que houvesse algum caso de demolição, penso que não teríamos tido tantas reclamações. O que acontece é que se faz tudo de forma arbitrária, maltratam as populações e mandam calar os que levantam a voz para criticar o que está errado. Há muito nepotismo, corrupção e ambição do Estado…

Com esta relação difícil com o Governo, onde vão buscar financiamento para suportar as vossas actividades?



Através de algumas instituições privadas apoiantes da nossa causa, são os nossos financiadores.
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