Fonte: DW – 23 Dezembro 2014-12-24
Em 2015, Angola vai estar no centro da diplomacia africana e
para os dirigentes de Luanda trata-se de uma "nova imagem de Angola"
que se afirma ao fim de 12 anos de paz. E ao nível interno que cenários se
perspetivam?
O país
transita para o novo ano com uma lista de problemas, principalmente aos níveis
económico, social e político. A crescente desigualdade social e a baixa do
preço do petróleo no mercado internacional poderão contribuir para o aumento do
descontentamento.
Sobre as
perspetivas para Angola em 2015, aos níveis internacional e interno, a DW
África entrevistou o ex-primeiro ministro do país Marcolino Moco.
DW África:
Angola vai presidir o Conselho de Segurança da ONU, vai enviar uma missão
militar de 2000 homens para a RCA e Luanda vai receber, ao longo do ano, a
Conferência internacional sobre a pirataria no Golfo da Guiné. Como vê o
desempenho de Angola no centro da diplomacia africana em 2015?
Marcolino
Moco (MM): Penso que é
o resultado de um trabalho muito profícuo, com o Presidente José Eduardo dos
Santos a centralizar todo o poder do Estado. Tem todos os meios para o fazer,
está à beira das próximas eleições gerais que serão em 2017 e sabemos que os
políticos teimam em relançar a imagem do Estado lá fora apesar dos problemas
internos muito graves. Dentro do país vivemos problemas muito sérios que
contrastam de forma drástica com os proventos que o Estado tem tido nos últimos
anos e todos eles, no fundamental, passados para as mãos da família
presidencial.
DW África:
Isso quer dizer que os reflexos a nível interno não acompanharão essa política
internacional de Angola?
MM: Vão acompanhar naquilo que for
folclórico e não na melhoria de vida dos cidadãos angolanos. Por exemplo, os
jovens vão continuar a ver as suas aspirações frustradas, as estradas para o
interior continuarão esburacadas, os bairros de Luanda continuarão a brilhar
para o inglês ver, como se costuma dizer, mas a juventude, as pessoas perdem o
emprego e continuarão a ver os seus desideratos frustrados.
DW África:
Apesar de toda essa visibilidade para 2015, Angola enfrenta no plano interno um
Orçamento que condiciona alguns investimentos, principalmente na educação,
saúde e infraestruturas. Acha que a instabilidade social vai continuar com
manifestações da sociedade civil, nomeadamente dos jovens, para chamar a
atenção das autoridades sobre esse cortes que vão ter lugar?
MM: Os cortes, e sobretudo a exuberância
com que a elite presidencial se apresenta e que nem tem se quer, pelo menos, o
cuidado de dissimular a arrogância do Estado... Isso vai continuar. A repressão
vai assumir proporções cada vez maiores e infelizmente debaixo da carapaça da
soberania as potências vão continuar a melhorar as suas relações com Angola com
o pretexto de que é um ponto de base para a estabilidade regional, até que um
dia aconteça algo à semelhança do que ocorreu no Burquina Faso. O problema das
potências externas, que se resume apenas nos seus negócios, no caso de Angola o
negócio de petróleo, é que não olham para esses problemas internos, que de um
momento para o outro desencadeiam situações que depois são desagradáveis.
DW África:
Com o preço do petróleo a baixar continuamente, como diversificar a economia
para evitar a dependência das exportações angolanas? Como poderá ser a
sustentabilidade do desenvolvimento de Angola em 2015?
MM: Não sei se esta baixa será
suficiente para que as autoridades angolanas comecem a passar do discurso para
a realidade da diversificação. Não acredito, porque ainda há muitas reservas, a
elite no poder político em Angola está preocupada em açambarcar aquilo que é
líquido. Promover a agricultura, a indústria, o turismo, tantas e tantas
atividades com tantos recursos que Angola tem, isso leva muito tempo. O
Presidente José Eduardo dos Santos não teve papas na língua e correu para
estabelecer uma lei só para os outros cumprirem, sobre a integridade extrativa,
sobre a tolerância zero: Acabou por ver que esse é um tempo de quem está no
poder fazer a acumulação primitiva do capital, tal como os colonialistas
fizeram há cinco séculos atrás. Este é que é o problema de África, é também o
problema do oportunismo ocidental que não tem também nenhum interesse em
corrigir isso, porque sempre através desta corrente estabelece muito do que
esses ditadores chamavam neo-colonialismo. Mas a culpa naturalmente não é dos
europeus, a culpa é da liderança africana que não está interessada em discutir
o relacionamento correto com o Ocidente, que é uma parte do mundo indispensável
para nós. A eleite africana, depois da grande elite que libertou o país, não
assume uma nova atitude para acrescentar algo de novo à libertação. Este é o
problema de Angola que se encontra no extremo dos países africanos que seguem
este caminho que é o de enriquecimento desmesurado da classe política.
DW África:
2015 poderá ser o ano em que a sociedade civil, os partidos e o cidadão comum
devem começar a pensar na realização das eleições autárquicas previstas para
2017, ou será outra vez uma mera utopia?
MM: É tudo utopia, tudo é programado e
realizado pelo Presidente José Eduardo dos Santos. As eleições autárquicas já
deveriam ter tido lugar, em 2013 ele próprio tinha anunciado, ou em 2014 o mais
tardar. Agora adiou para 2017, mas não criou nenhumas condições para o feito.
Mas só ele é que controla todas essas condições. Os meios para qualquer tipo de
eleições são uma ilusão, há um controlo absoluto da comunicação social, desde a
comunicação pública, televisão, gerida inclusive pelos filhos do Presidente, a
televisão privada dos filhos dos amigos do Presiente, a comunicação privada na
totalidade comprada pela família presidencial e os amigos do Presidente. Não há
condições nenhumas para que haja eleições adequadas, tanto as legislativas como
as presidenciais. Até porque o Presidente José Eduardo dos Santos também acabou
com o luxo da separação dos poderes. Costumo dizer que se fosse para fazer o
bem para Angola, ok, mas é ganhar autoridade para resolver os problemas da
família presidencial, crescendo desmesuradamente, etc. É isso que alguns
académicos aqui e em Portugal chamam de carnavalização da Constituição, das
eleições, ou seja, fazer da Constituição uma carapaça para enganar as pessoas.
DW África:
Como político e cidadão angolano, o que o Marcolino Moco gostaria de desejar
aos seus concidadãos para este ano que está prestes a começar? A sua agenda
política para 2015 já está definida?
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