terça-feira, 6 de agosto de 2013

Transferência suspeita de 85 milhões de euros para a Suíça leva justiça portuguesa a questionar operação entre Sonangol e Grupo Espírito Santo


Fonte: Jornal i

Lisboa – O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) está a investigar as circunstâncias em que o Grupo Espírito Santo (GES) vendeu a totalidade da sua participação na Escom à Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol). A empresa angolana pagou a título de sinal um valor de cerca de 15 milhões de euros ao GES que terá sido depositado em Lisboa.

Além deste montante, terão sido igualmente transferidos pelos angolanos mais 85 milhões de euros, cujo rasto está a ser investigado pelos procuradores do DCIAP. Este último valor terá sido depositado directamente no Crédit Suisse através da sociedade gestora de fortunas Akoya.

As suspeitas terão levado a que, no decorrer da investigação, o DCIAP tenha já solicitado a ajuda do Ministério Público de Lausanne, na Suíça. Os investigadores ainda estão a tentar descobrir o rasto dos 85 milhões de euros e quem terão sido os beneficiários deste valor, que poderá ter sido depositado em contas de empresas do GES.

A Akoya é uma empresa de direito suíço que está envolvida no processo Monte Branco, em que se investigam suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foi durante a investigação deste caso que o DCIAP se deparou com os indícios relacionados com o negócio da venda da Escom.

Confrontada com estes factos, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) limitou-se a afirmar que "o processo está em segredo de justiça".

De acordo com informações recolhidas pelo jornal i, o DCIAP terá tido acesso ao contrato-promessa de compra e venda da empresa Escom à Sonangol através de buscas judiciais realizadas ao escritório de advogados de Ana Oliveira Bruno, nas Amoreiras, em Lisboa, durante a Operação Monte Branco. A advogada acompanhou o negócio entre o GES e a Sonangol como representante da Akoya. O i enviou várias perguntas por escrito a Ana Bruno mas não obteve resposta.

COMO TUDO COMEÇOU


O negócio da venda da Escom - detida em 67% pelo GES, estando o restante capital nas mãos do luso-angolano Hélder Bataglia, presidente da empresa - ter-se-á iniciado no Verão de 2010. O GES propôs o negócio à Sonangol, tendo sido assinado em Lisboa um contrato-promessa depois do Verão que avaliava o negócio total em cerca de 800 milhões de euros.

Formalmente, a Espírito Santo Resources, uma holding da área não financeira do grupo GES, é a vendedora das acções da Escom à Sonangol. Na documentação pública sobre os negócios do GES não há informação sobre esta operação. No site da Rioforte, outra holding do grupo que congrega os interesses não financeiros, diz-se apenas que "a Escom, plataforma de investimento que concentrou nas duas últimas décadas a presença no GES em África, foi alienada".

Como sinal, a Sonangol, então liderada por Manuel Vicente - que agora é vice- -presidente da República de Angola -, terá pago cerca de 15 milhões de euros ao GES. Só que, ao que o i apurou, além do sinal, foram pagos mais 85 milhões que terão sido depositados directamente em contas bancárias do Crédit Suisse.

Após a transferência desses valores, a Sonangol não realizou mais nenhum pagamento. Manuel Vicente recusou-se a autorizar mais transferências, no que foi seguido por Francisco de Lemos Maria, novo presidente da Sonangol, desde 17 de Fevereiro de 2012. Lemos Maria chegou mesmo a pôr em causa a avaliação dos activos da Escom, tendo concluído que o valor da venda não poderia ultrapassar cerca de 200 milhões de euros.

Em Maio, Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo (BES), afirmou que o grupo ainda só tinha recebido a primeira tranche do pagamento e admitiu que tinham surgido "dificuldades" em concretizar a venda do conjunto de empresas que seriam integradas na Sonangol, e que era por isso necessário fazer "alguns ajustamentos", que estavam a ser negociados.

Também Hélder Bataglia, em declarações ao "Novo Jornal", de Angola, deu a entender que um dos pontos do impasse estaria no valor a pagar pelos projectos da Escom: "No início das negociações foi feita uma avaliação que chegou a números que, à época, indicavam um determinado valor de referência. Com o passar do tempo e atendendo à conjuntura nacional, e sobretudo internacional, tem decorrido um processo negocial necessário para a concretização da operação."

Depois de um impasse, o jornal "África Monitor" adiantava em Junho que o negócio da venda da Escom estava na recta final, tendo sido constituída uma sociedade angolana para esse efeito. Segundo aquele site, a Sonangol deveria fechar a aquisição de forma directa mas, na última fase, terá optado por uma nova estratégia de investimento.

Questionada pelo i sobre se a venda já tinha sido concretizada, e por que valor, fonte oficial da Rioforte afirmou: "As condições contratuais da operação de venda da Escom são confidenciais, por isso o Grupo Espírito Santo não as comenta.

"Confrontada com a não concretização do negócio devido a falta de pagamento, a mesma fonte assegurou que "a Escom foi vendida no final de 2010. Esse negócio ficou fechado nessa altura", acrescentando ainda que esta informação não é contraditória com as declarações de Ricardo Salgado de Maio passado que davam conta de um impasse no negócio.

O i enviou perguntas no passado dia 1 de Agosto para o GES, através do seu porta-voz, Paulo Padrão, mas apesar das insistências não obteve qualquer resposta.

SUBMARINOS. PROCURADORIA DE MUNIQUE LIGOU ESCOM A SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO

Esta não é a primeira vez que a Escom aparece visada num processo judicial. Um conjunto de documentos apreendido naquela empresa, em plena Operação Furacão, desencadeou um inquérito à compra dos dois submarinos pelo Estado português à German Submarine Consortium (GSC).

Em causa estavam “fortes suspeitas” de que os donativos de 1 milhão de euros, depositados numa conta bancária do CDS-PP em Dezembro de 2004, seriam “resultado de contrapartidas conseguidas no âmbito do referido contrato de aquisição dos submarinos”.

Neste caso, a intervenção da Escom – que negociou as contrapartidas do concurso dos submarinos entre o Estado português e o consórcio alemão – suscitou suspeitas. Os investigadores recolheram indícios de que os montantes pagos pelo consórcio alemão àquela empresa terão ultrapassado os 30 milhões de euros. Um valor “com aparente desproporção face à real intervenção de tal empresa portuguesa no desenvolvimento do negócio”, na perspectiva do Ministério Público.

O papel da empresa – que em sua defesa sempre disse ter actuado apenas como consultora do negócio – também não escapou aos olhos da Procuradoria de Munique. Nos autos do processo arquivado em Junho de 2012 pelo DCIAP, em que era arguido o advogado Bernardo Ayala (que representou o Ministério da Defesa no negócio), e que o i consultou, consta um email enviado a 10 de Fevereiro de 2010 pela Procuradoria de Munique às procuradoras do DCIAP Carla Dias e Auristela Pereira que compromete a Escom.

“No decurso das investigações soubemos de pagamentos a uma empresa chamada Escom UK, alegadamente uma subsidiária do Grupo Espírito Santo português. Temos a suspeita de que esses pagamentos terão sido corruptos”, informava Munique.

O DCIAP chegou a enviar cartas rogatórias para Inglaterra a solicitar o acesso a três contas da Escom em Londres, para poder averiguar “a proveniência do pagamento de elevadas quantias”. No entanto, o processo estagnou. Começou nas mãos do procurador Rosário Teixeira, saltou para as de Carla Dias e Auristela Pereira e foi depois transferido para João Ramos, procurador que está de saída do DCIAP. Mais uma vez, o processo, que teve início em 2006, vai mudar de mãos. S.C.

ANGOLA. UM DOS “MAIORES INVESTIDORES PRIVADOS”, FORTE EM DIAMANTES E IMOBILIÁRIO


Descrita no site como um dos maiores investidores privados em Angola, a Escom concentra as operações na exploração de diamantes e imobiliário e construção. O grupo chegou a ter projectos noutras áreas. Infra-estruturas (concessões portuárias), energia, agricultura, cimentos, estavam na rota dos planos de expansão, que apostavam no Congo, na África do Sul e em Moçambique.

Só nos projectos na construção, a desenvolver em parceria com a Opway (Grupo Espírito Santo), eram esperadas receitas de 500 milhões de euros. A operação também devia passar para a Sonangol com a compra da Opway Angola.

A jóia da coroa da Escom é um diamante, ou melhor, uma mina de diamantes. O projecto do Luó, descrito como uma das dez maiores explorações do mundo, entrou em operação em 2005. A Escom assumiu a posição da BHP Billiton e ficou com 45% da concessão em que estão accionistas angolanos e a companhia estatal Endiama. O grupo operava em 15 concessões e há um ano surgiram notícias de que estaria envolvido num projecto de 425 milhões no Lunda Sul.

A Escom chegou a empregar 1800 pessoas, a maioria em Angola. O último volume de negócios conhecido é de 250 milhões de euros anuais, modesto comparado com um plano de investimentos que triplicava esse valor. A crise financeira que retirou margem de manobra à banca e ao BES e a queda no preço dos diamantes em 2009 terão comprometido o financiamento dos investimentos da Escom e empurrado o maior accionista, o GES, para a alienação em 2010.

Há pelo menos um ano que a empresa transferia operações e recursos para Luanda, palco do outro negócio forte: o imobiliário. A Torre Escom é um das edificações emblemáticas da capital angolana e a âncora do projecto Sky Center, que prevê mais três edifícios, residenciais e de escritórios.

Ainda antes do acordo para a alienação, a Escom saiu dos negócios da aviação e das pescas para se centrar na mineração e no petróleo, em que tem 2,5% num bloco no offshore angolano operado pela Petrobrás. Desde 2010 que não há novos comunicados de imprensa no site da Escom, onde ainda consta a participação accionista do GES e de Hélder Bataglia. O empresário luso-angolano mantém-se à frente da gestão da empresa.
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