![](http://assets.vice.com/content-images/contentimage/no-slug/183dd3a94cef812da9ea058222f3aded.jpg)
Por Rafael
Marques de Morais em Maka Angola
Há dois anos, o reputado economista ganense George
Ayittey publicou um livro que bem pode ser um manual para o derrube de tiranias
em África e noutras partes do mundo.
Derrotando Ditadores: A Luta contra a Tirania em
África e no Mundo (Defeating
Dictators: Fighting Tyranny in Africa and Around the World) é um livro que
merece ser lido, sobretudo por jovens empenhados em protestar contra
presidentes obcecados com o poder eterno.
O autor parte da sua própria experiência como um dos
principais activistas na mobilização da sociedade ganense para o fim do regime
de Jerry Rawlings. O livro não apresenta uma fórmula, mas lições sobre algumas
das causas e consequências dos insucessos sofridos por opositores e activistas
em várias tentativas contra regimes despóticos. Nos países onde os tiranos
foram abalroados do poder, por pressão da juventude, as estratégias
bem-sucedidas são coligidas por Ayittey, como referências a ter em conta na
preparação de uma campanha contra os velhos crocodilos e aspirantes a déspotas.
A primeira tarefa é de estudo. A primeira regra de
combate contra a ditadura, segundo Ayittey, é conhecer o inimigo através do seu
modo de agir, das suas capacidades e fraquezas.
A Máscara do Déspota
A Máscara do Déspota
Para casos mais familiares, importa reter o conceito
do líder despótico, como aquele que governa porque o povo não sabe exprimir a
sua vontade colectiva, por medo e por não ter ideias comuns sobre o seu papel
na sociedade e o que deve fazer. Então, o povo entrega o seu destino à vontade
e aos caprichos de um só homem, como assevera o político e filósofo francês
Montesquieu. Nessa rendição, não há leis ou regras que se imponham, para além das
práticas de terror politico e da corrupção.
O filosofo francês Helvétius caracterizou o déspota
como um ignorante, porque não conhece os interesses dos governados, não sabe
como unir o seu estado e não se preocupa com o bem público. Para Helvétius,
conhecer o bem público é uma virtude e um processo de esclarecimento que escapa
ao déspota por este ser autista aos problemas do seu povo e dirigi-lo apenas
por capricho e vontade pessoais. Em resumo, o déspota é um incompetente com um
poder extraordinário de decidir sobre o quotidiano, o futuro, a vida e a morte
de todo um povo sem qualquer sentido de justiça e equidade. Manter o povo na
ignorância é a sua grande inteligência. Impor o medo no seio do povo é o seu
grande acto de coragem e dos que o rodeiam.
George Ayittei alerta que, qualquer regime que
centraliza o poder sem um sistema efectivo de freios e contrapesos é, por
conseguinte, despótico. Para tal regime, segundo o autor, o poder é uma mina de
ouro para enriquecimento pessoal do presidente e sua camarilha.
Todavia, o regime despótico opera no sentido de
alcançar três objectivos fundamentais, segundo o estudioso: manutenção e
consolidação da sua base de apoio, legitimação e controlo social.
Em relação ao primeiro objectivo, destaca-se a
imposição de um sistema clientelar nas relações entre dirigente e dirigidos. O
déspota cria um regime de competição para o acesso aos recursos do país, sob
seu controlo arbitrário, favorecendo apenas aqueles que se juntam a si. Por
essa via, compra o apoio de líderes religiosos, sindicais, de organizações
profissionais, e de outros sectores sociais, e forma uma grande coligação
contra os interesses do seu próprio povo.
Por sua vez, os papagaios, bajuladores e militantes
leais do regime não manifestam dedicação à ideologia do líder, mas a
expectativa de serem pagos com bens materiais e cargos. Por isso, de forma
canina, protegem as vias de acesso ao poder. No processo de aquisição de
consciências, o economista destaca como os piores vendilhões os intelectuais
(em particular acadêmicos e quadros qualificados):
“Eles supostamente entendem os conceitos elementares
como liberdade, democracia e estado de direito. Mas, por tuta e meia, muitos
entusiasmam-se em servir como prostitutas intelectuais – vendem a sua
consciência, princípios e integridade para saltaram para a cama dos déspotas”.
Outro elemento preponderante é o sequestro do partido
no poder. O déspota subverte os estatutos do partido para realizar os seus
objectivos pessoais, como a construção do culto de personalidade. Nomeia para
lugares estratégicos pessoas da sua conveniência e aliados, de modo a garantir
sempre a sua candidatura presidencial.
Para facilitar o funcionamento do sistema clientelar
de corrupção e reduzir as ameaças ao seu poder, o déspota “usurpa as competências
das principais instituições do Estado, como o exército, a polícia, a mídia
estatal, parlamento, o judiciário, o banco nacional e o sistema de educação”,
nota o escritor.
Uma das fraquezas notadas nesse tipo de lideranças é a
paranóia com a segurança pessoal e a manutenção do poder. O presidente corrompe
um grupo selecto de generais e de altos oficiais do aparelho de segurança a
quem tudo dá, mas desconfia do exército como o principal esteio de um possível
golpe de estado. Então, desorganiza e enfraquece o exército, no geral, mas cria
unidades especiais mais bem armadas para controlar os movimentos das próprias
forças armadas. Ademais, estrutura a guarda presidencial como a força mais bem
armada e superintendente, capaz de controlar as unidades especiais. Então, a
paranóia do déspota passa a ser como uma cebola, mas com camadas de
desconfiança.
“A função básica do exército e da polícia é a proteção
da integridade territorial da nação, assim como das vidas e da segurança dos
seus cidadãos. No entanto, muitos soldados e agentes policiais africanos
abandonaram, por completo essas funções tradicionais, e circulam pelo
continente como hienas, causando dor aos inocentes e civis indefesos e matanças
indiscriminadas”, lamenta George Ayittey.
O controlo da comunicação social do Estado merece
também do déspota atenção prioritária, no cumprimento de uma máxima do ditador
soviético José Estaline: “Quem controla a comunicação social controla as mentes
das populações”.
Esse controlo funciona também através da legitimidade
e respeitabilidade que a diplomacia do déspota procura no exterior do país. A
existência de abundantes recursos naturais, como petróleo, diamantes e outros
mineiras, regra geral, passa a ser o principal factor de persuasão diplomática
junto de governos estrangeiros, instituições internacionais, particularmente
ocidentais, para conferirem maior legitimação e respeitabilidade aos desígnios
do déspota.
As
Estratégias
Antes de partilhar estratégias, George Ayittey lembra
que nem todas as revoluções são bem sucedidas e alerta para as suas
consequências em termos de custos, em vidas humanas e recursos, bem como o
facto de fazerem regredir a marcha para a liberdade.
Assim sendo, alerta que as manifestações de rua, por
si só, não são suficientes para sacudir o poder de um déspota. Há também o caso
dos manifestantes defenderem os seus próprios interesses de grupo e não estarem
aliados a qualquer partido da oposição. É imperiosa a reforma antecipada da
oposição que, em última instância, deve capitalizar o descontentamento de
massas e operar a transição. Sem uma oposição unitária e líderes
verdadeiramente democráticos, corre-se o risco de se substituir um ditador por
outro vilão.
Para o sucesso de qualquer revolução, Ayittey aponta
ainda para a necessidade de apoio por parte de agentes auxiliares, que devem
ser algumas das principais instituições do Estado ou organizações
profissionais. Pelo menos, uma das instituições seguintes deve estar do lado
dos manifestantes: a função pública, o exército, a polícia ou as forças de
segurança, o judiciário, a comunicação social ou a comissão eleitoral.
Ayittey descreve os papéis vitais que cada uma destas
instituições desempenha para a governação e o exercício do poder
constitucional. O papel das forças da mudança está em estudar os focos de
descontentamento que grassam nessas instituições, as fraquezas do regime no
controlo dessas instituições e, por essa via, explorar estratégias de defesa
dos interesses comuns.
A organização simultânea de greves na função pública e
protestos, em várias partes do país, é uma das ferramentas poderosas para
enfraquecer o poder do aparelho militar e securitário do regime sobre a
sociedade. É a táctica de esticar, ao máximo, as forças do adversário no
terreno.
Para o efeito, o modelo Aytteyano de estratégia para a
mudança inclui a adopção de uma causa de descontentamento popular, como subida
de preços, ou outra. A ideia subjacente deve ser a paralisação da função
pública. Também é importante notar e explorar os focos de descontentamento no
exército, para que estes cumpram com a sua função de defender, acima de tudo, a
vida e a segurança das populações, de acordo com a sua função tradicional.
Os activistas têm de estar preparados, segundo o
proponente, para mudar de estratégias tão rapidamente quanto as condições no
terreno imponham.
No plano de batalha pela mudança de Ayittey, a
mensagem de liberdade deve ser bastante clara, sem adulterações ou a
possibilidade de ser contaminada ou sequestrada por interesses sectários.
Palavras como “liberdade” e “democracia” devem ser evitadas, entre outros
termos. Mensagens que insultam apenas o déspota também devem ser evitadas
porque não atingem quaisquer objetivos para além da ira pessoal do alvo e seus
apoiantes.
As mensagens devem descrever o regime como alheio ao
sofrimento do povo, como criminoso, por violar as suas próprias leis, e devem
conter elementos de divisão dentro do próprio poder ou das forças de defesa e
segurança. O uso de provérbios locais, poemas e cânticos tradicionais são
amplamente encorajados como formas nobres de ridicularizar o déspota.
As estratégias incluem o uso pedagógico da
constituição, relativamente à garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos,
contra o próprio regime.
Sem comentários:
Enviar um comentário