sexta-feira, 23 de agosto de 2013
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Da mini-saia de Mary Quant aos xuxuados da actualidade
Fonte: www.morromaianga.com
Lembrei-me esta semana dos primeiros tempos da mini-saia, a propósito desta nova moda que veio do Brasil com um código de barras onde se pode ler/ver a enigmática referência “xuxuado”.
Trata-se de um termo que, curiosamente, é sonora e graficamente muito parecido com um vernáculo do nosso calão que converge para o mesmo “local do crime”.
Em torno do uso dos tais “collants xuxuados” já se instalou a polêmica como não podia deixar de ser, quando se trata de discutir as liberdades versus exposição das partes mais intimas da anatomia humana, nomeadamente a feminina, que é aquela que mais mexe/excita a opinião pública.
Na viagem ao passado que fiz para reencontrar a mini-saia, fui parar até ao final dos anos 60, onde na provinciana Luanda da nossa adolescência/juventude, uma jovem branca foi detida por ter provocado o caos no trânsito por alegado atentado a moral pública.
Se a memória não me trai, acho que a “camarada” terá sido mesmo submetida posteriormente a um julgamento sumário do qual saiu absolvida e em liberdade.
Com efeito o transito parou na baixa de Luanda.
Se bem me lembro, o “incidente” com a jovem aconteceu ali no antigo largo da Portugália ao lado da livraria Lello, de acordo a fotografia que o semanário “Notícia” do Charulla de Azevedo publicou.
Ao que consta e pelos relatos, o trafego abrandou de tal forma tendo chegado mesmo a provocar um mini-engarrafamento.
Tudo, porque os pacóvios motoristas ficaram a contemplar boquiabertos e com os olhos esbugalhados a generosa exposição das pernas da rapariga que lhes estava a ser oferecida a custo zero, “através” de uma provocadora mini-saia que a mesma usava naquele dia “fatídico”.
Ao que julgo saber, foi a primeira vez que em público os luandenses tiveram contacto com a existência desta “moda nova”, conforme cantava o Urbano de Castro quando decidiu “bravar” com a sua Lolita por causa da Gajajeira.
Na sequência deste caso instaurou-se na altura um debate ético-legal na sociedade colonial luandense em torno do uso da mini-saia.
A questão era saber se a mini-saia era crime ou não, tendo como referência o que reza o Código Penal na abordagem que faz dos crimes contra os “bons costumes”, onde figuram os vários atentados contra a moral pública/pudor.
A moralidade pública está definida como sendo a consciência ética de um povo, em um dado momento histórico, sendo mais precisamente o seu modo de entender e distinguir o bem e o mal, o honesto e o desonesto.
Esta definição leva a que, por exemplo, nos Estados Unidos só haja lugar para um crime de obscenidade quando estiverem reunidas três condições, sendo um delas o entendimento/avaliação que a comunidade local faça do assunto com base nos seus costumes e na sua história.
Por outras palavras, pelo mesmo comportamento supostamente obsceno pode-se ser acusado e condenado num estado e nem sequer ser-se processado num outro, onde os costumes são mais liberais e tolerantes.
Já não me lembro muito bem como é que o caso/debate terminou, mas nunca me esqueci deste episódio em torno da mini-saia, uma moda cuja invenção é atribuída a super famosa estilista inglesa Mary Quant e que este ano assinala 45 anos de existência.
Foi em 1968, o ano de todas as liberdades no ocidente, que as saias femininas começaram a abandonar rapidamente os joelhos e a subir vertiginosamente pelas pernas acima até terem atingido os 30 centímetros da cintura, que era o tamanho desta económica e provocadora peça de roupa.
“A minissaia é sexy, mas jamais obscena. A moda é feita para provocar o desejo” defendia Mary Quant.
Se por algum milagre Mary Quant ressuscitasse hoje e acordasse nas ruas de Luanda ou do Rio de Janeiro, sinceramente, como é óbvio, não sei o que a pioneira da industria mundial da moda diria hoje dos “collants xuxuados”.
Desconfio, porém, que ela teria alguns problemas para aplicar a sua lógica diante do novo produto, tendo em conta as suas características mais ostensivas a apontar para uma espécie de moda do sexo quase explícito.
Na lógica “mariquantiana”, a moda “xuxuada” em principio responde plenamente a esta necessidade de provocar o desejo masculino.
Diante da exibição de algumas “montras” mais pronunciadas pelo vigôr expressivo da natureza feminina, receio bem que Mary Quant fosse forçada a recuar nas suas convicções originais que tanto furor provocaram na sua época e a dar o dito pelo quase não dito.
Acredito que neste seu regresso hipotético ao mundo da moda, a vanguardista Mary Quant seria hoje colocada diante da necessidade de ter de fazer uma demarcação entre o seu conceito de moda sexy e a moda do sexo quase explícito, pois é isso que a “xuxualização” dos collants aparentemente propõe.
O aparentemente aqui pode ser substituído pelo evidentemente, uma vez que ainda vemos razoavelmente bem o que nos está a ser mostrado, não havendo qualquer dúvida quanto ao facto da fotografia exibida representar a parte externa, ainda que ligeiramente coberta, da genitália feminina.
No que toca à mulher e para consumo do público, se é que esta equação pode assim ser feita sem ferir algumas sensibilidades, sou das pessoas que acha que tudo quanto seja demasiado explícito, em vez de acrescentar valor, acaba por reduzi-lo por força da banalização.
Quanto às questões mais éticas que tal exposição suscita e antes de qualquer condenação da “opção xuxual”, considero que o direito de se vestirem conforme bem entenderem por parte das suas utilizadoras vai, certamente, chocar com outros valores mais abrangentes e consolidados numa sociedade dominada pela moral cristã.
A questão que talvez se coloque é saber se uma mulher quando exibe de forma tão provocadora a sua intimidade, está mesmo vestida ou quer que alguém a dispa, seguindo o conceito de moda definido por Mary Quant quando lançou a mini-saia.
NA- Texto publicado no Semanário Angolense (10/08/13)
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