domingo, 4 de agosto de 2013

O problema fundamental da juventude angolana actual


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Por Marcolino Moco (www.marcolinomoco.com)

Comentei, há dias, num semanário angolano recente, que com este tipo de contactos, arrisca a ser breve e alegremente “comprado”, que a entrevista do Presidente José Eduardo à SIC foi um teatro muito mal-amanhado.

Cumpre-me dizer que o encontro do Presidente com trinta representantes da juventude, foi igualmente uma peça teatral, mas já melhor preparada, como afinal o fazem todos os políticos competentes: tentar corrigir o tiro ao alvo.

Continuo porém a pensar, que mesmo que haja fôlego para acudir dessa forma, a cada situação sectorial, o problema actual de Angola é demasiado sério. Se assim o não fosse reconhecido pelo próprio Presidente, até pelo seu carácter aparentemente imperturbável, não o veríamos com certeza nesta maratona de “morde e sopra” – estou a falar de “montes de porrada” e detenções sem culpa a jovens e pacíficos manifestantes, num dia, para no noutro dia ter uma reunião com representantes formais da juventude (sem incluir os representantes directos das vítimas) e vir dizer que como há diálogo, não precisamos de manifestações de nenhum tipo, mesmo que estejam prescritas na Constituição e no Direito Internacional.

A situação é claramente grave, e, na minha opinião, como o reitero num sem número de vezes, não se resolverá acorrendo, como bombeiro, a cada fenómeno de natureza sectorial. Porque estamos perante as consequências do retardamento propositado de aspectos de uma transição de regime que já deviam ter sido resolvidas, pelo menos nesta última década de paz que vivemos. Acontece que é justamente nestes últimos anos que têm sido montados os maiores factores de instabilidade.

Entre eles avultam sobretudo os de ordem institucional, pois está hoje à vista de todos que não se tratou de introduzir mecanismos de estabilização no país, depois da guerra, como pareceu, por exemplo, ser o caso de De Gaulle, que substituiu o parlamentarismo por um tendencial “presidencialismo”, em França, à custa de referendos um tanto quanto forçados. Se houvesse essa percepção, o povo de Angola e especialmente as suas camadas mais jovens estariam mais apaziguados, mesmo que as questões sectoriais levassem algum tempo a serem atenuadas.

O encontro entre o Presidente e aqueles jovens apanhados, muitos deles, quase de surpresa, foi contudo um marco bastante positivo e demonstrou que se pode ir mais longe, atacando o problema fundamental que é o do regime político real que temos, que deixa com toda a legitimidade, as camadas mais conscientes da juventude preocupadas.

Resumidamente, e na minha opinião, o que faz com se viva hoje um clima de manifesta tensão que interessa resolver com pragmatismo, sem se rebuscar problemas no passado que já perderam todo o interesse, se não quisermos complicar as coisas, é:

1-Estamos a assistir, incredulamente, ao estabelecimento de uma dinastia monárquica que não obedece a nenhuma ordem constitucional formal, ou a algum outro limite essencial, numa altura em que, um pouco por toda a parte, cidadãos de vários Estados se manifestam insatisfeitos, até mesmo com as actuais instituições democráticas do tipo ocidental, de que exigem maior transparência, seriedade e, enfim, a adaptarem-se aos tempos novos.

2-A par disso está  accionado todo um sistema de comunicação social e de relações públicas a nível nacional e internacional, no sentido de fazer passar a ideia de que os angolanos, especialmente os seus jovens “não frustrados”, vivem no melhor dos mundos e estão satisfeitíssimos com toda a série de irregularidades ostensivamente orquestradas.

Do que ouvi dos jovens que falaram no encontro, destaquei a generosidade desses representantes formais que, corajosamente, não se esqueceram de referir-se às “passas por que têm passado” outros jovens que ali não estavam directamente representados, os chamados – “revus”. Falaram do apartheid instituído, logo prontamente desmentido, mas se calhar nem tiveram tempo de rebater tal desmentido com exemplos tão flagrantes como aquele da distribuição de casas de um projecto público, “aos que participaram na campanha eleitoral” a favor de um partido político e do seu candidato.

Mas, no fundamental, tanto quanto eu pude ouvir – dos meios de comunicação que ouvi e li – certamente por uma questão de respeito que ainda mantêm à mais alta figura do Estado, não puderam por o dedo na verdadeira ferida: a questão do regime.

Basta recordar que uns dias antes do encontro com a juventude, na tal entrevista em que o Presidente chamou de “frustrados”, no pior sentido, a jovens que por tantas vezes tentaram manifestar-se pacificamente, deixou claro que apesar de ser um dos dois mais antigos chefes de Estado de África (o que em si, a história diz ser um verdadeiro factor de instabilidade) ainda não encontrou quem o possa substituir a nível do seu próprio partido.

Por outro lado, para ir retirando lentamente as dúvidas sobre quem prefere que o venha substituir, seu filho Filomeno dos Santos, antes simples administrador não executivo do Fundo Soberano dos Petróleos, foi anunciado, sem parangonas, como sendo agora o Presidente do Conselho de Administração do Fundo, já não dos Petróleos mas de Angola.

O Presidente pareceu-me ter dito algo muito importante, do tipo: se todos os diferendos acabam em negociação porque não dialogar? Perfeitamente de acordo, desde que seja sobre questões fundamentais e não sobre paliativos. De outro modo, vão sobrar canseiras e tudo se complicará.
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