“Na zona do Futungo, algemaram-me a um suspeito, alinharam-nos contra uma parede, e fizeram uma rajada contra nós, rente aos pés. Entrou-me areia nos olhos, do ricochete das balas, que eu vi a tocaram no chão. Nunca pensei que passaria por uma situação destas. Fizeram também vários tiros ao ar”, denunciou o rapper.
Cerca de 25 agentes da Polícia Nacional
efectuaram, na madrugada de Sexta-feira, por volta das 5h00, uma operação de
buscas e captura, no Bairro Marçal, em Luanda, que resultou na breve detenção
do rapper João Carlos da Silva “Marshall Liricista”, de 32 anos, um conhecido
membro do Movimento Revolucionário Juvenil.
Filomena José Carlos, mãe do músico, explicou ao Maka
Angola como os agentes policiais cercaram a sua residência, tendo
tentado remover a cobertura e o forro da casa, sem sucesso, para entrarem
também pelo tecto.
“Eu tive sorte, se tivesse sido um dos meus
filhos a abrir a porta os polícias teriam disparado. Eu abri a porta. Os
agentes disseram-me que vinham à busca do meu filho, sem mandado de busca ou de
captura, sem papel nenhum”, explicou a mãe.
Diante da mãe, os agentes policiais,
identificados com insígnias da Direcção Nacional de Investigação Criminal
(DNIC), trataram primeiro o irmão mais novo de Marshall, Jonas Joaquim, ao
tabefe. Em seguida, dirigiram a sua atenção para o rapper. “Deram-me duas
bofetadas também frente à minha mãe, antes de me algemarem”, contou.
Os policiais apreenderam, segundo depoimento da
vítima, uma viatura Hyundai 10 (pertencente à sua esposa), a sua motorizada, o
seu telemóvel e dinheiro no valor de $1,000. Conduziram-no a uma unidade
policial, conhecida como Esquadra do Chinguar, no Bairro Benfica, a sul de
Luanda.
“Queriam saber [os policiais] onde o meu filho
encontrou o carro que conduz. O carro é da minha nora e ele tinhas os papéis
todos em ordem”, disse Filomena José Carlos.
Antes da operação, os agentes atacaram o vizinho
do lado. “‘Abre a porta porra!’, eles gritavam. No total, 15 polícias entraram
em minha casa, bateram-me a bofetadas, diante da minha mulher e filhas, que
começaram a chorar”, informou o vizinho Nicolau Manuel.
“Eu fiquei admirado com o comportamento dos
polícias. Eles queriam saber onde morava o Marshall e diziam que ele era
ladrão”, acrescentou.
O vizinho foi obrigado a revelar a residência do
alvo e só após a captura de Marshall Liricista, os agentes retiraram as algemas
de Nicolau Manuel e deixaram-no em paz.
Já na viatura policial, um dos agentes atingiu
Marshall Liricista com dois pontapés no peito, por este ter reclamado o roubo
do telefone por um agente. “Ele tinha o telefone no bolso e quando tocou dei
conta. Acabou mesmo por ficar com o meu aparelho”, contou. O jovem revelou
ainda que os agentes também “roubaram” os US $1,000 retirados da sua
residência, tendo devolvido apenas a motorizada e a viatura, esta em mau
estado.
“Na zona do Futungo, algemaram-me a um suspeito,
alinharam-nos contra uma parede, e fizeram uma rajada contra nós, rente aos
pés. Entrou-me areia nos olhos, do ricochete das balas, que eu vi a tocaram no
chão. Nunca pensei que passaria por uma situação destas. Fizeram também vários
tiros ao ar”, denunciou o cidadão.
Já na Esquadra do Chinguar, que descreveu como
“uma bagunça sem procurador, para actos clandestinos”, Marshall Liricista foi
informado do seu crime. “Um dos agentes disse-me apenas: ‘Recebemos a
informação de que você é altamente perigoso. Agora vemos que essa informação
não condiz com a realidade’”.
A família, liderada pela mãe Filomena José
Carlos, dirigiu-se à referida unidade às 9h30 e junto dos agentes recebeu a
justificação segundo a qual o seu filho foi detido devido “ a uma queixa da
vizinhança, que tem inveja dele pelo seu sucesso”.
“Eu não sei como essa polícia trabalha. Fazem
coisas à toa e falam à toa”, exprimiu a mãe da vítima.
Entretanto, o conhecido advogado David Mendes,
ofereceu patrocínio jurídico ao músico. “Vamos apresentar queixa, como
prevenção, uma vez que está identificada a esquadra. Vamos pedir a abertura de
um inquérito à Procuradoria-Geral da República, porque houve uma operação fora
da área de jurisdição”, disse o defensor dos direitos humanos.
“Como podem os agentes policiais destacados no
Benfica [município de Belas] deter um cidadão no Marçal [município de Luanda],
quando são áreas de jurisdição distintas? É assim que as autoridades fazem
desaparecer pessoas. Isso é um sequestro”, denunciou David Mendes.
Segundo Marshall Liricista, no acto da sua
libertação, perto das 14h30, “os polícias aconselheram-me a não revelar a
ninguém a forma como me trataram. Disseram-me para ter cuidado, alegando que o
meu bairro tem muitos invejosos que estão de olho em mim, e que ‘este assunto
fica por aqui’”.
Até à sua detenção, esta manhã, o músico era um
dos raros membros do Movimento Revolucionário Juvenil e activo participante
manifestações anti-regime que ainda não tinha sido detido.
Não foi possível obter a reacção da Polícia
Nacional.
Para além de músico, Marshall Liricista trabalha
como corrector imobiliário independente e projectista, com o curso médio de
Construção Civil. Actualmente frequenta o segundo ano do curso de Relações
Internacionais na Universidade Lusíada.
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